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Na escola onde trabalho, conta-se uma história já folclórica sobre um
professor que tentou elogiar o trabalho de uma estudante, mas não teve muito
sucesso. Segundo essa história, a aluna estava enfrentando várias dificuldades
para realizar uma atividade e teve que refazê-la várias vezes. Na última vez, o
professor lhe disse: “Seu trabalho ficou tão bom que só me resta rasgar
elogios!”.
A aluna imediatamente começou a chorar: “Puxa vida, professor, me
esforcei tanto para fazer o trabalho e agora você diz que vai rasgar?!”
Obviamente, a aluna não sabia que a expressão “rasgar elogios” era
um reconhecimento do bom trabalho que havia feito. Essa falha de
comunicação deixou-a desanimada e fez com que o professor precisasse explicar o
significado dessa expressão e reafirmar a qualidade do trabalho dela.
Minha motivação para escrever sobre a forma de nos comunicarmos com os
alunos vem de uma situação que vivi recentemente. Após as apresentações de
seminários em grupo, planejei uma aula para avaliar o trabalho em conjunto com
os alunos. Nessa avaliação, evito apontar erros individuais e abordo problemas
que foram recorrentes em todas as apresentações. Peço que os alunos comentem as
apresentações, mas evitando apontar falhas específicas dos colegas,
referindo-se sempre aos grupos. Minha intenção é evitar expor os estudantes,
especialmente os que têm mais dificuldades, pois essa é uma das primeiras
atividades do curso. Gosto desse tipo de avaliação porque os alunos mais
desenvoltos ficam à vontade para falar do processo que viveram e das
dificuldades que enfrentaram, deixando claro para os mais tímidos que os
desafios são os mesmos para todos.
Uma das alunas estava extremamente ansiosa durante a devolutiva. A certa
altura, ela perguntou: “mas professor, vou ser reprovada por causa dessa
apresentação?”. Como achei que a pergunta poderia confundir os alunos sobre o
principal objetivo da conversa, respondi: “Não se preocupe, você foi muito bem!
Sua apresentação foi ótima!”. O que eu disse era realmente verdade e, com isso,
ela se acalmou e pudemos continuar a discussão coletiva.
No entanto, alguns dias depois, outra estudante me procurou para falar
sobre essa avaliação. “Professor, há alguns dias você elogiou aquela aluna, mas
isso não foi bem encarado pela classe. Vários alunos foram bem na apresentação
e você não falou nada. Foi uma postura muito injusta da sua parte”, ela disse.
Fiquei absolutamente surpreso com a conversa. Não achei que um
comentário superficial, feito de maneira casual, apenas para acalmar uma aluna
e dar continuidade à discussão, pudesse causar tanto desconforto em outros
estudantes. As palavras que a aluna usou me fizeram pensar se de fato eu havia
cometido alguma injustiça.
O que a levou a reclamar tão enfaticamente? Ciúmes da colega que foi
elogiada? Necessidade de atenção? Será mesmo que fui injusto? Será que esse foi
um sentimento geral da classe ou exclusivo da aluna que reclamou? Confesso que
até hoje não sei muito bem o que a motivou.
Quais as lições desse episódio? Para mim, ficou a ideia de que tenho que
ter ainda mais cuidado com o que digo aos alunos. Mesmo comentários feitos
despretensiosamente podem acabar desgastando as relações em sala de aula e
complicando a tarefa como professor.
Sabemos que, em qualquer nível de ensino, o educador pode representar
uma autoridade importante, inclusive para tratar de assuntos que vão além dos
conteúdos escolares. Não é raro observar alunos que reproduzem falas ou
posturas de professores, ou que pedem conselhos aos docentes sobre assuntos
extraclasse.
Quando lidamos com jovens e adultos, o cuidado pode ser ainda maior.
Alunos da EJA costumam atribuir muito valor aos comentários dos professores e
uma palavra mal encaixada pode fazer estragos bem grandes, podendo levar a problemas
de relacionamento na sala de aula, abalos na autoestima dos estudantes e até
influenciar a desistência da escola.
Você já viveu
situações como essa, professor? Como evitá-las?
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